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terça-feira, 19 de agosto de 2014

The microbial dark matter - A desconhecida diversidade microbiana

            Na última semana de maio eu estava no Congresso de microbiologia promovido pela sociedade americana de microbiologia, em Boston (ASM-2014). Como sempre, esse congresso e super intenso e eu decidi concentrar em palestras sobre diversidade microbiana. Um dos títulos de palestra que mais me interessou foi "Illuminating the dark matter of microbiology". Realmente a palestra foi maravilhosa. Tratava-se de uma estratégia para sequenciamento de genomas de bactérias com poucos ou nenhum representante em cultura (Rinke et al, 2013).
            Minha primeira pergunta foi, por que “matéria escura”? Isso não é um termo usado em astronomia? Sim, a utilização desse termo na microbiologia era uma metáfora para falar da estimativa de que 99% dos microrganismos ainda são desconhecidos. Quem são esses 99%? A gente conhece apenas fragmentos de DNA pertencentes à esses microrganismos, mas os microbiologistas ainda não sabem como cultivá-los no laboratório. Eles são considerados recalcitrantes ao cultivo, ou seja, eles são difíceis de se obter em placas de Petri. A grande pergunta é: por que? O que eles tem de diferente? A gente aprende em microbiologia que todos os organismos, inclusive as bactérias, precisam de uma fonte de carbono, nitrogênio, enxofre e fósforo (macronutrientes). Alguns precisam de mais coisas como vitaminas e minerais, mas esse requerimento varia de organismo para organismo. Os 99% desconhecidos precisam de que?

            Em busca dessa resposta os pesquisadores coletaram nove amostras diferentes, desde lodo de esgoto até de águas termais. Colocaram a mistura de microrganismos de cada amostra em um citômetro de fluxo, que separou as células microbianas, uma por uma. Depois selecionaram algumas para sequenciar o genoma, eles escolheram as que ainda eram desconhecidas. Aí vem o truque, sequenciaram o genoma vindo  de uma única célula microbiana, o que chamamos de single cell genomics.
            Os pesquisadores conseguiram obter genomas de células procarióticas sem precisar de cultivo! Qual a importância disso? Os microbiologistas conheceram o genoma delas antes de vê-las de verdade em cultura. Foram identificados e nomeados novos filos bacterianos usando essas sequencias. Ainda há muita informação para analisar sobre esses organismos ainda desconhecidos. Por outro lado, eles realmente acessaram a matéria escura microbiana, só usando o DNA dos microrganismos.
            E aquela pergunta sobre o motivo delas serem tão difíceis de cultivar, elas fazem coisas diferentes das bactérias que conhecemos? Na verdade, a informação dos genomas mostrou que muitas são heterotróficas e obtém energia de processos como respiração, nada de novo... Os autores são muito cuidadosos em dizer que a informação genômica é só um começo, que mais estudos precisam ser feitos para responder definitivamente essa pergunta.

Para fixar:
1. Para cultivar microrganismos utilizamos meios de cultura. Adicionamos sempre macronutrientes. Quais são os macronutrientes que podemos encontrar em extrato de levedura, um componente comum dos meios complexos.
2. Só porque não tem membrana nuclear, bactéria não tem genoma? E DNA ou cromossomo, tem? você sabe a diferença entre esses termos?

Para pensar:
1. Se você quisesse cultivar um microrganismo da matéria escura, como você faria? Lembre-se, eles são desconhecidos.

2. O que você acha que podemos descobrir nos microrganismos que fazem parte da matéria escura microbiana? Você acha importante investir em conhecê-los? Será que os microbiologistas só precisam continuar insistindo no cultivo delas? Será que realmente precisamos de muita inovação para cultivar esses microrganismos?

Referência:
Christian Rinke, Patrick Schwientek, Alexander Sczyrba, Natalia N. Ivanova, Iain J. Anderson, Jan-Fang Cheng, Aaron Darling, Stephanie Malfatti, Brandon K. Swan, Esther A. Gies, Jeremy A. Dodsworth, Brian P. Hedlund, George Tsiamis, Stefan M. Sievert, Wen-Tso Liu, Jonathan A. Eisen, Steven J. Hallam, Nikos C. Kyrpides, Ramunas Stepanauskas, Edward M. Rubin, Philip Hugenholtz, and Tanja Woyke. (2013) Insights into the phylogeny and coding potential of microbial dark matter. Nature 499: 431-437.


Um texto mais técnico, para entender é preciso de algum conhecimento sobre metagenoma.

    Lendo o artigo, eu descobri que o termo foi usado em 2007, uma apresentação da estratégia geral de usar single cell genomics para acessar microrganismos desconhecidos da boca, especialmente do grupo TM7 que até então não haviam sido cultivados (Marcy et al 2007). A palestra que eu assisti foi da Dra Tanja Woyke e ela mostrou as principais figuras do seu artigo da Nature (Rinke et al, 2013). Esse trabalho é parte da grande iniciativa do  Genomic Encyclopedia of Bacteria and Archaea (GEBA) que pretende sequenciar genomas de milhares de bactérias para aumentar o conhecimento filogenético.

  Em resumo, eles amostraram 9 locais, separaram as células procarióticas com um citômetro de fluxo, identificaram cada uma com auxílio do gene do RNAr 16S, escolheram aquelas pertencentes a filos ainda desconhecidos para o sequenciamento do genoma. Foram 201 genomas, muitos incompletos. Dentre os resultados principais estão a melhor resolução da árvore filogenética de procariotos sendo que eles deram o nome para vários filos. Outra contribuição foi a correção de afiliação taxonômica de fragmentos gerados por metagenoma, afirmaram que pelo menos 50% dos metagenomas analisados foram corrigidos pelo novo conhecimento gerado. Existem outras informações no texto, como a utilização de códon de terminação UGA para incorporação da glicina em alguns desses grupos, eles argumentam que isso pode ser comum em algumas linhagens.
    Apesar de esse ser um dos artigos mais legais que eu li nos últimos tempos, eu fui buscar a explicação sobre a recalcitrância desses microrganismos ao cultivo. Fiquei frustrada, pois a maioria parece ser heterotrófica, e usam cadeia transportadora de elétrons para gerar energia. Ou seja, essa pergunta ainda está sem resposta definitiva, mas admiro o esforço de adicionar conhecimento científico de forma tão planejada, como parte de um objetivo maior que é conhecer os tais 99% de microrganismos ainda desconhecidos.

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