Sempre
conto essa história para meus colegas, sobre o dia em que meu cérebro foi
chacoalhado e eu vi microbiologia de um outro jeito. Aconteceu no meu
primeiro ano de doutorado, na aula de Environmental Evolution ministrada pela cientista que eu tinha
a maior admiração: Dr. Lynn Margulis. Ela tinha um microscópio associado a uma
tela de TV, a aula era sobre comunidades microbianas e cianobactérias. Ela
pegou uma gota de água de dentro de um pequeno recipiente formado pelas
folhas de uma bromeliaceae (a familia do abacaxi), colocou numa lâmina e
pronto, vimos o que tinha naquela água. Minha reação: credo, está
tudo contaminado!
O que havia acabado de observar era uma
comunidade microbiana, cianobactérias eram abundantes e fáceis de ver ao
microscópio, mas dava para diferenciar uma infinidade de células de todos os
tamanhos e formas naquela lâmina, coisas se movendo para todo lado. Em
todo meu treinamento anterior em microbiologia eu me orgulhava de ter uma
"boa mão" para obter culturas puras. Aquelas que todo aluno de
microbiologia conhece, contendo só uma espécie de bactéria, sem
"contaminação" com outras espécies de microrganismos
indesejados. Acredito que minha obsessão pela cultura pura tenha suas
raízes na microbiologia de Pasteur, Koch e demais contemporâneos da teoria do
germe. Conceito extremamente importante em microbiologia clinica e geral. Foi
assim que eu fui treinada e acredito que quase todos os microbiologistas
brasileiros da minha geração também o foram. Olhar pela primeira vez uma
comunidade microbiana e entender que essa
mistura de microrganismos é o normal na
natureza foi transformador.
Com o tempo eu comecei a me interessar sobre o que mais havia
nesse mundo, o que os microrganismos estão fazendo pelo planeta
afora. Hoje meu interesse é a diversidade microbiana, especialmente o que
as pessoas tem chamado de matéria escura microbiana (microbial dark matter). Eu
não inventei esse termo. No meu entender, a tal matéria escura (dark matter) em
astrofísica significa a região no universo que não é observado, em que não se
sabe bem o que tem lá, estou certa? Esse termo é uma analogia com a diversidade
microbiana ainda desconhecida, os tais 99% das espécies bacterianas que os
cientistas acreditam que ainda não conhecemos, não sabemos como cultivar (Marcy et al., 2006).
Esse é um espaço para eu colocar textos para
os meus alunos, coisas que uso em sala de aula e outras que aconteceram em sala; mas é também para todos que
quiserem audaciosamente ir
aonde nenhum microbiologista jamais foi.
Referência para o Microbial Dark Matter:
Marcy, Y., Ouverney, C., Bik, E.M., Losekann, T., Ivanova, N., Martin, H.G., Szeto, E., Platt, D., Hugenholtz, P., Relman, D.A., and Quake, S.R. (2007). Dissecting biological ‘‘dark matter’’ with single-cell genetic analysis of rare and uncultivated TM7 microbes from the human mouth. PNAS 104:11889-11894.
Bactérias, bactérias...
ResponderExcluirDe fato, não vivo sem elas...