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domingo, 5 de outubro de 2014

Ouro biológico?

          No semestre passado eu lancei um desafio para os meus alunos, pedi que fizessem uma pesquisa sobre as bactérias que produzem ouro. O desafio era: como podemos ficar ricos com as bactérias que precipitam ouro?

         Eu já sabia que havia apenas uma reportagem em português na internet. Dentre as informações que eles precisavam encontrar eu tinha 3 principais: nome de uma bactéria do ouro, como fazemos para cultivá-las e como podemos ficar ricos com elas. Acho que eles aprenderam outras três coisas: que o Wikipedia em português é incompleto, que reportagens na internet são copiadas e que tem muito mais informação em inglês. 

         Eu escrevi o texto a seguir, e usei essas bactérias como exemplos em várias aulas ao longo do semestre.


As bactérias chamadas de alquimistas

            Em abril de 2013 foi publicado um artigo na revista “Nature” que originou uma série de reportagens sobre a bactéria alquimista, ou seja, uma bactéria capaz de fazer ouro. Esse trabalho foi realizado por um grupo de pesquisadores nas universidades de McMaster University e Western University, Ontario, no Canadá. Essa pesquisa teve início com a descoberta de bactérias que se encontravam em biofilmes formados sobre grânulos de ouro. O biofilme era composto por várias espécies de bactérias, mas duas espécies diferentes foram detectadas em maior abundância: Cupriavidus metallidurans e Delftia acidovorans.
                  A primeira já era bem conhecida pelos pesquisadores que trabalham com resistência bacteriana a metais pesados. C. metallidurans é considerada uma bactéria extremófila pela sua capacidade de tolerar concentrações de metais pesados que são tóxicas para a maioria dos organismos. Alguns pesquisadores chamam esse tipo de extremófilo de “bactérias metalofílicas”. Como possui múltiplos mecanismos de tolerância, não foi surpresa encontrá-la em associação com ouro, uma vez que esse metal também é tóxico para a maioria das bactérias. C. metallidurans pode proteger-se do ouro produzindo mais biofilme, assim o ouro fica adsorvido nessa camada de polissacarídeo e não entra na célula. Outro mecanismo também já foi descrito, mas ainda não se sabe exatamente como funciona; nesse caso parece que a bactéria acumula partículas de ouro dentro da célula de forma que ele não interfira com o seu metabolismo, mas ainda não foi comprovado.
                  A bactéria D. acidivorans possui um mecanismo diferente para evitar  que o ouro entre na sua célula. Os pesquisadores demonstraram que ela produz um peptídeo em resposta à presença de ouro, eles chamaram esse peptídeo de “delftina”. A delftina se liga ao ouro (na forma de AgCl3) e o precipita, do lado de fora da célula, formando pepitas de ouro (gold nuggets). Dessa forma, os pesquisadores acreditam que demonstraram que algumas formas de ouro encontradas na natureza podem ter origem bacteriana.  Esse seria um exemplo de “biomineralização” de ouro que nesse caso é a transformação de íons de ouro solúveis, que são tóxicos, em precipitados de ouro em forma de pepitas que não causam danos ao metabolismo bacteriano.



            O resultado do desafio: Em primeiro lugar eles fizeram uma separação entre “ouro geológico” e o “ouro biológico” (eles mesmos deram esse nome). Eles acharam que embora o ouro biológico poudesse ter uma valor menor no mercado de jóas, talvez tivesse aplicação em equipamentos médicos, científicos ou eletrônicos que utilizem ouro. Outras aplicações já estavam no texto, como utilizar essas bactérias para remover metais tóxicos de amostras contaminadas.
            Mas meu desafio continua o mesmo, como vamos fazer para ficarmos ricos com as bactérias do ouro? O que eu vou fazer com meu dinheiro? Simples, vou seguir o exemplo de um professor meu, ele disse que se ganhasse na quina ia dar bolsas de estudos para alunos de pós graduação. Eu faria o mesmo, mas para quem tivesse projetos criativos na área de microbiologia.

Para fixar:
1.     O que é um biofilme? Porque bactéria são mais resistentes a antimicrobianos quando estão em biofilmes? Biofilmes podem conter mais de uma espécie de bactéria?
2.     O que são bactérias extremófilas? Cite três exemplos de extremófilas e os ambientes nos quais podem ser encontradas.
3.     O ouro na natureza é mais encontrado nos estados de oxidação Au(I) e Au(III).  Qual a forma mais oxidada?
4.     C. metallidurans pode acumular ouro dentro da célula em forma de grânulos, cite outros dois tipos de grânulos que podem ser encontrados em bactérias. 
5.     A afirmação a seguir é incorreta, explique. “Um tipo de grânulo encontrado na célula bacteriana é o núcleo que contém o genoma da célula procariótica.”
6.     O que é biomineralização?

Para pensar:
  1. Você acha que existe um ciclo biogeoquímico do ouro?
  2. Como você imagina que a humanidade pode usar esse conhecimento?